A nova queridinha das mesas gourmet não arde, é incrivelmente aromática e revela uma doçura intrigante que conquista de cara o paladar
A primeira experiência com a pimenta-biquinho tem início, geralmente, sob comentário estimulante: “Pode comer que essa é diferente, não arde, não!” E quem disse que a gente acredita? Entre o fascínio pela descoberta e o medo do arrependimento, eis que é dada a primeira mordida naquele fruto arredondado e suculento, com ponta em forma de bico e tom vermelho intenso. E, ainda, sob algum resquício de desconfiança, descobre-se que a tal pimenta, de fato, não é ardida. Melhor: aos poucos, ela revela ao paladar uma doçura intrigante, que desperta a vontade de degustá-la em porções. Pronto. Quando você se dá conta, a biquinho já lhe conquistou.
Quem ainda não provou tem oportunidade de sobra para se render. De aperitivos a geleias, ou como ingrediente de pratos principais e sobremesas, essa variedade de pimenta vem se tornando cada vez mais versátil e, devagar, cativa o paladar nacional. Até o aclamado chef Pascal Barbot, do parisiense L’Astrance, se encantou pelo produto quando esteve no Brasil, em 2007, e manifestou o desejo de incorporar a biquinho a seus menus.
Com charme próprio
Antes de Barbot, porém, vários chefs brasileiros já haviam colocado a ideia em prática. “Há quem use a biquinho apenas como decoração, só que, dessa forma, é grande o risco de ela ser deixada de lado no prato – o que é uma pena, porque é um ingrediente maravilhoso”, defende o chef Volmar Zocche, atualmente no comando do restaurante Tróia, que será inaugurado em março, em Goiania. “A biquinho tem todo o perfume da pimenta, só que não queima. Vai muito bem, por exemplo, em um molho para massas, combinada com azeite, alho e peperoncino”, ensina Zocche, autor de uma inusitada pizza de biquinho com rúcula que integra o cardápio da paulistana 1900 Pizzeria.
Para o chef Rodrigo Oliveira, do paulistano Mocotó, a variedade tem muitos méritos. Um deles é preservar o sabor delicado da pimenta, sem lembrar o gosto do pimentão, como acontece com a cambuci, que também não arde. “Outra vantagem é o fato de ela equilibrar os sabores”, comenta. É o que acontece, por exemplo, com o primeiro prato que Rodrigo criou utilizando a biquinho, com carne-de-sol na brasa, assada e finalizada na manteiga-de-garrafa, alho assado e chips de mandioca. “Como ela é conservada em vinagre, faz um bom contraponto à untuosidade da carne, conferida pela manteiga”, diz. A porção foi criada em 2004 e é uma das mais pedidas no Mocotó até hoje. E, pelo jeito, não vai deixar o cardápio tão cedo.
Quem aposta no produto comemora a aceitação. No Restaurante Bananeira, em São Paulo capital, a biquinho é ingrediente até de caipirinha, combinada com tangerina. Baião-de-dois com carne-seca, pirão, filé mignon rôti… A variedade é utilizada principalmente no preparo de carnes e peixes. “Comecei a utilizá-la em um pesto acompanhando o tambaqui e percebi que os clientes pediam o molho separadamente, para degustá-lo com outros pratos”, conta o chef Maurício Ganzarolli. Mas o pedido não se restringia ao molho. Eles passaram a pedir a biquinho em conserva, para levar para casa. E, de tanto improvisar embalagens, veio a ideia de comercializar a pimenta no próprio restaurante, em vidros, conservada em água e vinagre. Produto aprovado pela clientela, o plano agora é estabelecer parceria com vários distribuidores e lançar, até o fim do ano, três versões de conservas no mercado.
Uma delas será o pesto de alfavaca, o popular manjericão grande. Não por acaso, é o mesmo utilizado no tambaqui – e, se o prato não integra mais o cardápio, o molho continua fazendo sucesso, vendido em conserva, no Bananeira. O plano é começar devagar e pensar, futuramente, no mercado externo. “É impressionante a aceitação da biquinho fora do Brasil”, diz Maurício. “Quando apresento pratos com ela em minhas viagens pelo exterior, tenho observado que, no início, é grande a desconfiança, mas depois não sobra uma no prato.” A gente entende.
De uma família perfumada
A biquinho integra o grupo das pimentas aromáticas, ou de-cheiro, do qual fazem parte as pimentas godê, aroeira-vermelha, americana e cambuci. Acredita-se que ela tenha surgido na região do Triângulo Mineiro. A produção em escala comercial passou a acontecer a partir de 2004, no município de Campo Florido, pela Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Estado de Minas Gerais (Emater/MG). Foi a Emater que difundiu o produto para todo o Brasil. Atualmente, a produção se concentra nos Estados de Minas Gerais, Goiás e São Paulo. Chega ao mercado in natura e, principalmente, conservada em água e vinagre. “Não temos a análise nutricional específica para a biquinho, mas acreditamos que seja semelhante a outras pimentas-vermelhas doces”, afirma o pesquisador da Embrapa Hortaliças, Geovani Bernardo Amaro.
Pode-se concluir, portanto, que a biquinho é rica em minerais como sódio, fósforo, magnésio e cálcio. Destacam-se, ainda, o betacaroteno (pró-vitamina A) e a vitamina C. Sabe-se também que o ardor da pimenta se deve a dois principais alcaloides: a di-hidrocapsaicina e a capsaicina, esta última a mais importante. “A biquinho se caracteriza por ser pouco pungente, graças à baixa presença de capsaicina em sua composição”, explica Amaro. O nível de ardência, no entanto, pode variar.
O Brasil é o grande centro de diversidade da espécie da biquinho, a Capsicum chinense, originária da região amazônica. Sendo assim, ela pode cruzar com outras pimentas picantes da mesma espécie, mantendo o formato, mas adquirindo maior pungência. “Se você plantar a biquinho perto de uma malagueta, por exemplo, no ano seguinte vai encontrar ali a biquinho picante e a malagueta um pouco gordinha”, explica o empresário Nelo Linguanotto, autor do livro Dicionário Gastronômico Pimentas e suas Receitas (Ed. Gaia). “Foi provavelmente esse fenômeno que gerou a biquinho e é justamente por isso que está surgindo a versão picante também.” De fato, já existe no mercado um tipo semelhante ao da pimenta-biquinho, chamado “pimenta de bico” ou simplesmente “bico”, com um nível de ardência que não passa despercebido. É bom saber.
Receitas:
PIZZA BIQUINHO
12 porções
1 kg de farinha de trigo
100 ml de azeite extravirgem
20 g de fermento biológico
1 colher (sopa) de sal
1 dose de cachaça
1 copo de água
COBERTURA
100 g de mussarela
50 g de pimenta-biquinho
20 ml de azeite
2 tomates sem pele e sem sementes, batidos no liquidificador
1/2 maço de rúcula cortada à juliana (bem fininho)
10 folhas de manjericão
MASSA
1 Dissolva o fermento na água, junte a cachaça e o azeite. 2 Adicione a farinha e misture, até ficar bem consistente. 3 Faça bolinhas de 120 g em média (do tamanho de uma bola de tênis). 4 Com um pau de macarrão, abra a massa em formato de disco, com espessura bem fina.
MONTAGEM
1 Espalhe o molho de tomate sobre o disco de pizza, evitando as bordas. 2 Coloque por cima a mussarela e as folhas de manjericão. 3 Na borda, derrame um fio de azeite. 4 Asse em forno de pizza, a 350 oC. 5 Retire-a do forno e adicione as folhas de rúcula e a pimenta-biquinho, por cima da mussarela.
Receita do chef Volmar Zocche, para 1900 Pizzeria.
CAIPIRINHA DE TANGERINA COM PIMENTA-BIQUINHO
4 doses
80 g de pimenta-biquinho
50 g de açúcar; 200 ml de cachaça
20 ml de xarope de banana
1 pitada de sal; 2 tangerinas sem caroços
Bastante gelo
1 Machuque a tangerina com o açúcar e 1/3 da pimenta-biquinho. 2 Incorpore o xarope de banana, sal, cachaça e gelo. 3 Mexa bem. 4 Adicione a pimenta restante, inteira, e sirva imediatamente.
BOROGODÓ
4 PORÇÕES
600 g de carne-seca, dessalgada, cozida e desfiada;
1/2 cebola cortada em juliana, bem fina; 3 colheres (sopa) de manteiga-de-garrafa; 1 colher (chá) de cebolinha verde, cortada fininha
BAIÃO-DE-DOIS
300 g de arroz branco
100 g de feijão de corda
80 g de queijo de coalho em cubinhos
60 g de pimenta-biquinho
1 colher (sopa) de cebola picada
1 colher (sopa) de manteiga-de-garrafa
Azeite de oliva e alfavaca (manjericão grande) a gosto
Finalização
CARNE-SECA
1 Em uma frigideira, refogue a cebola na manteiga-de-garrafa. 2 Junte a carne-seca e finalize com cebolinha.
BAIÃO-DE-DOIS
Doure a cebola na manteiga-de-garrafa e adicione a pimenta-biquinho, o arroz, o feijão de corda e o queijo de coalho.
MONTAGEM
Sirva a carne acompanhada do baião e core com gotas de azeite de alfavaca (manjericão grande) e algumas pimentas-biquinho curtidas em conserva de vinagre e cachaça.
PIRÃO DE CAMARÃO COM PIMENTA-BIQUINHO
4 PORÇÕES
200 g de camarões cinza, limpos e sem a tripa; 100 g de tomates sem pele e sem sementes; 100 g de farinha de copioba
400 ml de caldo de peixe, elaborado com cabeças de camarão
2 colheres (sopa) de cebola picada
1 colher (chá) de alho picado
1 colher (sopa) de azeite
1 colher (sopa) de óleo de urucum
4 colheres (sopa) de pimenta-biquinho em conserva
Sal e pimenta-branca moída na hora
1 Em uma frigideira de barro, aqueça o azeite e o óleo de urucum. 2 Refogue a cebola e o alho. 3 Adicione os camarões e os tomates e tempere com sal e pimenta-branca. 4 Acrescente o caldo de peixe previamente aquecido. 5 Incorpore, aos poucos, a farinha de copioba, mexendo vigorosamente. 6 Deixe o pirão engrossar. 7 Retire do fogo, junte a biquinho e conserve em banho-maria, até o momento de servir.
Dica de chef: sirva com barquinhos de beiju
de tapioca.
CONSERVA DE PIMENTA-BIQUINHO
1 copo (americano) de vinagre branco
1 copo (americano) de cachaça
1 colher (sopa) de açúcar
1 colher (chá) de sal
Pimentas selecionadas
1 Prepare uma calda com vinagre, cachaça e açúcar, e leve essa mistura para ferver por 2 minutos. 2 Branqueie as pimentas: coloque-as na água fervente e deixe-as ferver por cerca de 20 segundos. 3 Retire-as da água e, imediatamente, transfira para um recipiente com água gelada. 4 Em seguida, acondicione as pimentas em um vidro esterilizado e conclua com a calda quente por cima; se quiser enriquecer o sabor, acrescente à conserva dentes de alho ou cebola. 5 Tampe o vidro e leve-o ao fogo, com a boca virada para baixo, em uma panela com água e uma flanela por baixo do vidro até ferver. 7 Tire da água e somente depois leve a esfriar, para que o vidro não estoure.
(*) Receitas do chef Maurício Ganzarolli, do restaurante Bananeira, Rua Mal. Hastimphilo de Moura, 417, tel. (11) 3502-4635, São Paulo, SP.
100 gramas de pimenta-biquinho contêm:
> 27 calorias
> 92,1g de água
> 0,89g de proteínas
> 0,19 g de lipídios
> 2 g de fibras
> 6,4 g de carboidratos
> 0,3 g de minerais
>190 mg de vitamina C
(*) Fonte: Embrapa Hortaliças
Menus harmonizados
• Pizza biquinho
Bohemia Weiss
• Borogodó
Bohemia Confraria
• Pirão de camarão com pimenta-biquinho
Bohemia Confraria
POR: LUCIANA LANCELLOTTI
FOTOS: ANTÓNIO RODRIGUES
PRODUÇÃO: CAMILE COMANDINI